quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Vivendo a Maldição (capítulo 12)

Desacordado, Brian servia de brinquedo para miseráveis criaturas que viviam naquele limbo malcheiroso. Um ser rastejante aproximou-se dele, tateando seu corpo e farejando-o como se fosse um animal faminto. - “Hummm... cheiro de humano?!” O ser parecia confuso e ao mesmo tempo deliciado. “Há quanto tempo não sinto esse cheiro de coisa gostosa, nham!” Uma gota viscosa de baba escorreu-lhe da boca e pingou na testa do anjo sombrio. O hálito podre e a gota ácida na fronte despertaram o rapaz do sono inquieto.


Ao abrir os olhos e se deparar com tão horrenda criatura, o impulso de Brian foi de gritar e empurrar aquele ser com a máxima força contida em si. Antes mesmo de tocá-la, a criatura foi lançada violentamente a alguns metros de distância. “Aaahn... o humanozinho tem poderes...” falou, rindo entre os dentes. Brian estava surpreso, pois não se achava em condições de desferir tal golpe, mas guardou essa informação para si. “Deve ter sido o impulso de defesa”, pensou.

-“Não se aproxime de mim ou eu o esmago com minhas próprias mãos!”, disse o rapaz, procurando passar uma firmeza que não existia, absolutamente.
Percebendo a fraqueza que a voz de Brian deixava trair, a criatura da mais baixa vibração astral soltou uma gargalhada.
- Ahahahaha! Mas você está me saindo muito valente para um moribundo! Vamos ver do que você é capaz! Disse com um sorriso asqueroso, que deixava à mostra os dentes podres. Tirou de baixo da camisa puída e suja um punhal e lançou-o nas labaredas de um fosso em chamas. A criatura ria, enquanto a ponta da espada tomava uma coloração vermelha.


Aproximando a arma incandescente dos olhos de Brian, disse:
- O que você vai fazer se eu marcar esse rostinho bonito, heinnn?! Brian estava cara a cara com aquele ser que talvez tivesse sido homem um dia. Agora, ele plasmava uma imagem que demonstrava a degradação de seu espírito. Parecia um corpo em decomposição. No seu rosto, pedaços de carne faltavam e o cheio que exalava era característico. Um grande mal estar tomou conta de Brian, que se sentiu novamente a ponto de desfalecer.


O calor do punhal já queimava sua pele, quando alguém puxou a criatura com força para trás e lhe disse algo ao ouvido. Espantado, o monstruoso ser lançou novamente o olhar para o jovem desmaiado à sua frente e saiu andando o mais rápido que podia, com uma feição de pavor.


Ao longe, Brian ouvia uma voz a chamá-lo.
- “Brian.... Brian...” o eco do seu nome numa voz feminina e gentil o fez sentir um breve alívio, estranho conforto em meio à atribulação que vinha enfrentando.
- “Abra os olhos, não temos muito tempo!” Brian fez o que a voz pedia e se viu no fundo de dois grandes olhos pretos, que lembravam as jaboticabas de sua infância. A mulher acariciava ternamente os cabelos do rapaz que repousava a cabeça em seu colo.


- “Mãe!” O olhar do rapaz se iluminou instantaneamente e ele fez menção de se levantar, queria abraçá-la, beijar seu rosto, segurar em suas mãos. Cassiana o conteve em seu colo, tocando levemente seus lábios.
- Shhhhhh! Não fale nada! Eu preciso que você saiba que não está sozinho e nem tudo está perdido. Há um plano para invadir e dominar a Esfera das Sombras, fazendo cair o império de Lúcius. Se tudo der certo, aprisionaremos para sempre aquele maldito, ou até que sua alma clame sinceramente por perdão. Seja forte, minha criança. Tudo dará certo, mas você precisa dissimular suas intenções. Use contra o inimigo seu próprio veneno. Esse encontro é um segredo nosso, pois por mais enfraquecido que você esteja a força do seu espírito não deixa que sua mente fique aprisionada. Mas não podemos deixar que ninguém perceba. Agora você precisa voltar, filho querido. Nunca se esqueça do meu amor por você. Em breve nos veremos de novo.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Depois do Amor (capítulo 11)

Brian ainda sentia a profunda paz que toma conta do corpo e da alma após fazer amor, quando em um sobressalto, deu-se conta do que havia acabado de fazer. Valentine, recostada em almofadas que mais pareciam nuvens, ressonava tranquilamente. O sol começava a nascer preguiçosamente sob as montanhas, emprestando um tom furta-cor ao céu e fazendo brilhar suavemente a pele nua da bruxa. Sem fazer barulho, o rapaz começou a se vestir apressadamente. “Preciso sair daqui antes que...” não chegou nem a terminar mentalmente a frase e uma dor lancinante tomou conta de si. Brian mordeu a manga da jaqueta para não gritar. Mas já era tarde, os efeitos da maldição haviam começado. Ele teria que pagar por ter se deixado levar pelos impulsos e por seu sentimento mais profundo...

Como num passe de mágica, suas roupas caíram no chão e o corvo voou através do alçapão no telhado, ganhando o céu em poucos segundos. As gargalhadas de Lúcius ecoavam na imensidão do amanhecer, enquanto Brian batia asas rumo às nuvens de chumbo. Cruzou o portal entre os mundos, absorto em seus pensamentos, com os olhos de Sophia na lembrança, o cheiro de Valentine na pele e a triste certeza de que não a veria novamente. Voava resoluto rumo à sua sentença. Queria apenas que ela ficasse bem e não sofresse as consequências de um ato que ELE e apenas ELE tinha a obrigação de não deixar acontecer. Ao mesmo tempo, seu coração estava feliz por ter se unido a ela por um breve instante, depois de séculos de espera.

Quando chegou à torre, seu odioso pai já o esperava com um ar satisfeito. Nem esperou o filho pousar no parapeito da janela e lançou contra ele um golpe de energia sombria que o arrebatou como uma substância pegajosa que o sufocava e impedia os movimentos. Neste momento, tudo se apagou. Tempos depois, vozes guturais e lamentos grotescos ecoavam no fundo de sua consciência, perturbando-lhe o sono profundo. Quando voltou a si, sentia que garras disformes saiam do chão e tentavam puxá-lo para baixo. Lentamente, tentava abrir os olhos encobertos por estranha névoa.

As íris azuis perdidas no espaço, pupilas dilatadas ao extremo. Em sua precária visão e consciência, Brian tentava descobrir onde estava. Os músculos não respondiam ao seu comando. Queria ficar de pé, encontrar uma saída, lutar e resistir contra esse destino que o fez filho de um ser maldito. Mas não tinha forças. Sentia que sua energia fora sugada até quase a última gota e o que lhe restou parecia ser só mais uma sádica brincadeira de Lúcius, para que o filho sentisse na pele aquele tormento. “Preciso resistir, preciso resistir...” foi o último pensamento antes de perder novamente a consciência.

A luz da lua deu lugar ao sol que invadia o sótão impiedosamente pelo alçapão. Valentine resmungava e levava a mão aos olhos, como quem pedisse a alguém para apagar a luz. De repente, algo como uma lembrança invadindo seu sono a fez despertar num movimento brusco. Os raios de sol transformavam a poeira em uma imensidão de pontos brilhantes suspensos no ar. Pouco a pouco, a moça percebeu onde estava. E também lembrou do que houve.

Olhou ao redor à procura de Brian. Nada. Arriscou chamar pelo seu nome e o silêncio foi a resposta. Quando olhou para o chão ao seu lado, percebeu as roupas do amado. “Como assim? Foi embora pelado e sem se despedir ?! Que maneira de terminar uma noite de amor! Tsc, tsc...”, balançou a cabeça em sinal de reprovação. Em sua imaginação fértil e debochada, quase chegou a rir, visualizando aquele homem lindo, com a sua bunda redonda e branca, andando nu pela calçada em plena manhã de sol. A imagem cômica logo deu lugar à preocupação. “O que houve com ele?!” Neste momento, franziu a testa e o sorriso se desfez. Um aperto no coração se fez presente e Valentine procurou não dar muita atenção a este sentimento.

Ajeitou os longos cabelos com as mãos, amarrando-os em um rabo meio desleixado e começou a arrumar a pequena bagunça causada pela paixão vivida na noite anterior. Recolheu a camiseta do rapaz cuidadosamente e levou-a ao rosto, aspirando o perfume que nunca havia sentido antes daquela noite e ao mesmo tempo, parecia evocar imagens de um passado distante. Uma leve contração se fez sentir, atiçando a energia kundalini na base de sua coluna, que serpenteou feito onda de calor ao longo da espinha. Fechou os olhos e lembrou dos seus corpos se amando ao luar. Brian era o consorte perfeito, capaz de despertar a Deusa no corpo da jovem sacerdotisa.
Chegou a essa conclusão num breve suspiro que parecia prenunciar a dificuldade de viver aquele amor. Continuou a recolher as roupas do chão. Quando pegou sua blusa de cetim, um brilho muito forte atingiu em cheio o seu olhar. A moça tampou os olhos para protegê-los. Já preparada para o que iria ver, tirou lentamente a mão dos olhos, deixando-a ainda à altura das sobrancelhas e encarou a luz.


As pupilas se fecharam, acostumaram-se à intensidade daquele brilho e então, Valentine se aproximou para ver o que era. “Meu espelho!” A incidência do sol sobre o espelho provocava a luz que machucou seus olhos. Lembrou-se da descoberta na noite anterior e de como o espelho parecia maior. Virou-o de costas para confirmar suas suspeitas e viu o sigilo formado pela união de diversas runas, grafado décadas atrás. Era uma marca comum aos objetos mágicos de sua mestra. “Ah, vovó! Nunca me canso de descobrir os seus mistérios!”