sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Depois do Amor (capítulo 11)

Brian ainda sentia a profunda paz que toma conta do corpo e da alma após fazer amor, quando em um sobressalto, deu-se conta do que havia acabado de fazer. Valentine, recostada em almofadas que mais pareciam nuvens, ressonava tranquilamente. O sol começava a nascer preguiçosamente sob as montanhas, emprestando um tom furta-cor ao céu e fazendo brilhar suavemente a pele nua da bruxa. Sem fazer barulho, o rapaz começou a se vestir apressadamente. “Preciso sair daqui antes que...” não chegou nem a terminar mentalmente a frase e uma dor lancinante tomou conta de si. Brian mordeu a manga da jaqueta para não gritar. Mas já era tarde, os efeitos da maldição haviam começado. Ele teria que pagar por ter se deixado levar pelos impulsos e por seu sentimento mais profundo...

Como num passe de mágica, suas roupas caíram no chão e o corvo voou através do alçapão no telhado, ganhando o céu em poucos segundos. As gargalhadas de Lúcius ecoavam na imensidão do amanhecer, enquanto Brian batia asas rumo às nuvens de chumbo. Cruzou o portal entre os mundos, absorto em seus pensamentos, com os olhos de Sophia na lembrança, o cheiro de Valentine na pele e a triste certeza de que não a veria novamente. Voava resoluto rumo à sua sentença. Queria apenas que ela ficasse bem e não sofresse as consequências de um ato que ELE e apenas ELE tinha a obrigação de não deixar acontecer. Ao mesmo tempo, seu coração estava feliz por ter se unido a ela por um breve instante, depois de séculos de espera.

Quando chegou à torre, seu odioso pai já o esperava com um ar satisfeito. Nem esperou o filho pousar no parapeito da janela e lançou contra ele um golpe de energia sombria que o arrebatou como uma substância pegajosa que o sufocava e impedia os movimentos. Neste momento, tudo se apagou. Tempos depois, vozes guturais e lamentos grotescos ecoavam no fundo de sua consciência, perturbando-lhe o sono profundo. Quando voltou a si, sentia que garras disformes saiam do chão e tentavam puxá-lo para baixo. Lentamente, tentava abrir os olhos encobertos por estranha névoa.

As íris azuis perdidas no espaço, pupilas dilatadas ao extremo. Em sua precária visão e consciência, Brian tentava descobrir onde estava. Os músculos não respondiam ao seu comando. Queria ficar de pé, encontrar uma saída, lutar e resistir contra esse destino que o fez filho de um ser maldito. Mas não tinha forças. Sentia que sua energia fora sugada até quase a última gota e o que lhe restou parecia ser só mais uma sádica brincadeira de Lúcius, para que o filho sentisse na pele aquele tormento. “Preciso resistir, preciso resistir...” foi o último pensamento antes de perder novamente a consciência.

A luz da lua deu lugar ao sol que invadia o sótão impiedosamente pelo alçapão. Valentine resmungava e levava a mão aos olhos, como quem pedisse a alguém para apagar a luz. De repente, algo como uma lembrança invadindo seu sono a fez despertar num movimento brusco. Os raios de sol transformavam a poeira em uma imensidão de pontos brilhantes suspensos no ar. Pouco a pouco, a moça percebeu onde estava. E também lembrou do que houve.

Olhou ao redor à procura de Brian. Nada. Arriscou chamar pelo seu nome e o silêncio foi a resposta. Quando olhou para o chão ao seu lado, percebeu as roupas do amado. “Como assim? Foi embora pelado e sem se despedir ?! Que maneira de terminar uma noite de amor! Tsc, tsc...”, balançou a cabeça em sinal de reprovação. Em sua imaginação fértil e debochada, quase chegou a rir, visualizando aquele homem lindo, com a sua bunda redonda e branca, andando nu pela calçada em plena manhã de sol. A imagem cômica logo deu lugar à preocupação. “O que houve com ele?!” Neste momento, franziu a testa e o sorriso se desfez. Um aperto no coração se fez presente e Valentine procurou não dar muita atenção a este sentimento.

Ajeitou os longos cabelos com as mãos, amarrando-os em um rabo meio desleixado e começou a arrumar a pequena bagunça causada pela paixão vivida na noite anterior. Recolheu a camiseta do rapaz cuidadosamente e levou-a ao rosto, aspirando o perfume que nunca havia sentido antes daquela noite e ao mesmo tempo, parecia evocar imagens de um passado distante. Uma leve contração se fez sentir, atiçando a energia kundalini na base de sua coluna, que serpenteou feito onda de calor ao longo da espinha. Fechou os olhos e lembrou dos seus corpos se amando ao luar. Brian era o consorte perfeito, capaz de despertar a Deusa no corpo da jovem sacerdotisa.
Chegou a essa conclusão num breve suspiro que parecia prenunciar a dificuldade de viver aquele amor. Continuou a recolher as roupas do chão. Quando pegou sua blusa de cetim, um brilho muito forte atingiu em cheio o seu olhar. A moça tampou os olhos para protegê-los. Já preparada para o que iria ver, tirou lentamente a mão dos olhos, deixando-a ainda à altura das sobrancelhas e encarou a luz.


As pupilas se fecharam, acostumaram-se à intensidade daquele brilho e então, Valentine se aproximou para ver o que era. “Meu espelho!” A incidência do sol sobre o espelho provocava a luz que machucou seus olhos. Lembrou-se da descoberta na noite anterior e de como o espelho parecia maior. Virou-o de costas para confirmar suas suspeitas e viu o sigilo formado pela união de diversas runas, grafado décadas atrás. Era uma marca comum aos objetos mágicos de sua mestra. “Ah, vovó! Nunca me canso de descobrir os seus mistérios!”

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