quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A armadilha (capítulo 9)

Meses se passaram e, noite após noite, Cassiana vagava por seus sonhos, à procura de seu amante onírico. Passou a ter visões desconexas, um mundo sombrio que aparecia ao longe e depois dissipava em denso nevoeiro. Acordava sufocando de saudades e ardendo em desejo. Seus olhos já não tinham o mesmo brilho, parecia não gostar tanto da vida como antes. Queria apenas partir e ficar ao lado daquele que se apossou de sua alma.

Ângelo, noivo de Cassiana, percebeu que algo afligia o coração de sua amada. Pensava que eram os longos períodos de solidão em meio à floresta. Preparou então uma surpresa para ela.

- Vamos, quero te mostrar um lugar!
- Desculpe, querido, não me sinto disposta. Tenho um cansaço que me consome. Quero apenas ficar aqui e adormecer.
- Tenho certeza de que você vai gostar. Vamos cavalgar um pouco, como fazíamos antes. Prometo que você não vai se cansar, meu amor!

Quase que por uma obrigação, Cassiana levantou-se para atender ao pedido do noivo. Apesar de tudo, ele era um homem por quem ela tinha grande afeição. Não queria magoá-lo e sabia que não era justa a forma como vinha o tratando ultimamente. O trote do cavalo aos poucos, foi acalmando seu coração. As paisagens passando lentamente por seus olhos, o vento acariciando os cabelos soltos... tudo isso a fez lembrar do tempo em que era simplesmente feliz, sem a ânsia de reencontrar aquele que nem era do seu mundo e que talvez nem existisse realmente. “Foi apenas um sonho...” tentava se conformar. Ângelo, vez ou outra, fazia algum comentário ou pergunta, tentando desvendar o que ia ao íntimo de sua amada e tinha como resposta, vagas palavras. De repente, o caminho se estreitou entre pedras enormes que escondiam o que havia do outro lado.

- Vamos ter que seguir a pé. É só um pequeno trecho”, disse Ângelo. Cassiana se perguntava como não conhecia ainda aquele lugar. O céu estava incrivelmente azul e o clima ameno tornava o passeio ainda mais agradável. A cada passo, um novo cenário era pintado diante de seus olhos. Borboletas azuis e amarelas rodeavam pequenas flores silvestres. As raízes das árvores, tortuosas e gigantescas, eram algo que impressionava seus olhos. Aos poucos, um ruído de água começou a ser ouvido. À medida que caminhavam, o barulho aumentava. As folhas sob os pés foram ficando mais úmidas e escuras, exalando um delicioso cheiro de terra molhada.

Ao passar pelo último paredão de pedras, Cassiana não pôde conter a expressão de surpresa quando se deparou com a Cachoeira do Espelho. Um imenso véu branco desaguava no lago de fundo negro que refletia a imagem da mata ao seu redor e o profundo azul celeste. Ângelo sorria, convidando-a para um refrescante mergulho. Sob o encantamento daquele lugar mágico, Cassiana se deixou levar pela mão, molhando os pés na água translúcida. Um leve arrepio percorreu-lhe a espinha, trazendo novamente a sensação de estar viva.

Aos poucos, soltou seu corpo na água e ficou a boiar, olhando para o céu. Chegou a sorrir, deixando as águas levarem seus pensamentos para longe. Foi então que viu um grande pássaro preto cruzar o céu e pousar numa árvore à beira do lago. Uma estranha sensação apertou-lhe o peito e ele se levantou, procurando com os olhos, seu noivo.

- “Estou aqui, meu bem!” Cassiana virou-se bruscamente na direção da voz. Quando seus olhos encontraram os de Ângelo, a moça percebeu neles um brilho diferente, mas familiar. Sem ter tempo de esboçar reação, o homem tomou-lhe nos braços e beijou-a com intensa paixão. Ela reconheceu aquele beijo e lembrou-se na hora do sonho que tivera meses atrás. Afastou-se e tentou dizer algo, mas tocando seus lábios suavemente, o rapaz a impediu de pronunciar seu nome, sob o risco de acordar Ângelo de seu encantamento.

O sonho e a realidade se misturavam em um êxtase atordoante. Cassiana estava confusa, mas não conseguia resistir às carícias e à força daquela atração. Ângelo não tinha a mesma feição, parecia estar fora de si. Ela sentiu uma leve tontura, fechou os olhos por um momento, enquanto o homem a segurava nos braços. Ao abrir os olhos novamente, notou que toda a paisagem estava modificada, as cores eram mais nítidas do que antes, a água agora parecia fazer parte de seu próprio corpo, o céu tinha um tom azul fora do comum, não era noite e nem era dia. Ainda assim, podia ver uma imensa lua no céu que parecia enviar-lhe algum tipo de energia.

Sentiu todo o seu corpo esquentar e um desejo incontrolável apoderar-se de si. Cassiana estava radiante, seus olhos de bruxa faíscavam de prazer, segurou delicadamente o rosto de seu amado e o beijou profundamente. Suas mãos percorriam o corpo dele e lentamente tiravam-lhe a camisa, as unhas percorriam seu peito, nu provocando-lhe arrepios. Cassiana afastou-se um pouco e olhando diretamente para os olhos dele, despiu-se. Suas formas perfeitas o hipnotizavam, ele a desejava, e isso causou-lhe um certo temor, sentia que precisava dela mais do que podia querer.

A bruxa se aproximou, segurou em suas mãos e o levou até a margem do lago, despiu-o e o fez deitar-se no chão de terra úmida, as plantas ao redor exalavam um delicioso aroma verde, ela sentou-se sobre seu corpo e com as mãos levantadas em direção à lua fechou os olhos pedindo algo. Seu corpo estava quente como o fogo, as mãos de seu amante percorriam cada centímetro daquele templo do prazer. Cassiana abaixou os braços e tocou de leve o rosto do homem que se deixava dominar pela Deusa, inebriado pela paixão.

Seus corpos nus estavam em êxtase profundo, o ciclo quase completo e então a sensação de plenitude dominou seus corpos. Ela movimentava-se como uma Valkíria, cavalgando pelas nuvens. As mãos dele acariciavam seus seios provocando-lhe arrepios e gemidos que ecoavam pelo bosque. Estavam num transe quase absoluto, e num momento de puro prazer, chegaram ao climax juntos.

Cassiana deitou-se no peito dele, exaurida pela intensidade daquele amor. De olhos fechados, teve uma estranha impressão. Parecia que podia ouvir dois corações. Um vivo e pulsante, outro frio e impiedoso. De qualquer forma, um coração que nunca seria seu. Então, um abismo se abriu sob seu corpo e ela sentiu que caia, vertiginosamente. Abriu os olhos e a paisagem voltou a ser o que era. O homem a olhou nos olhos e, com a arrogância que era própria de Lucius disse:

- Já consegui o que queria, minha querida Cassiana. De agora em diante, apenas observarei, e quando eu voltar será para buscar a semente que agora germina em teu ventre.

Com um sorriso diabólico nos lábios, deixou o corpo de Ângelo que caiu no chão desmaiado. Cassiana sentou-se ao lado do noivo e arrependida de ter se deixado seduzir, chorou. Não havia mais volta, ela estava amaldiçoada para sempre, e agora uma criança pagaria por tudo isso.

Depois de algum tempo, Ângelo acordou às margens do rio. Cassiana estava um pouco distante dele. Ainda trôpego de sono, aproximou-se dela e abraçou-a por trás.

- Desculpe, querida, não sei o que houve comigo. Adormeci sem perceber. Acho que o passeio me cansou um pouco.

Ao perceber que o noivo não se lembrava de nada do que ocorreu, Cassiana disfarçou as lágrimas, enxugando-as com as mãos e tentou sorrir.

- Não se preocupe, estou bem. Gostaria apenas de ir para a casa agora.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O plano de Lucius (capítulo 8)

Lord Lucius Stirb Nicht era o maioral de sua falange na Esfera das Sombras. Mas as coisas nem sempre foram assim. Em lugares como esse, a força era a única forma de garantir um lugar no topo. Quem não conseguia se sobressair e dominar, era submetido à escravidão, acorrentado aos desejos de seus superiores, vendendo-se fácil por um pouco de prazer.

A Esfera das Sombras era uma dimensão muito próxima da Esfera Terrestre. A força era mantida por uma egrégora de sentimentos baixos ou inferiores. O ódio, a ganância, o egoísmo, a inveja, os vícios e a energia sexual doentia eram o alimento que mantinha a atmosfera ideal e a sobrevivência daquele mundo. É por isso que aqueles seres amavam tanto os homens. A existência daquele mundo dependia das emoções fartamente cultivadas pela humanidade em uma sociedade cada vez mais individualista. Os seres sombrios fingiam prestar favores aos homens, influenciando-os a praticar atos que fizessem crescer a energia negativa da qual dependiam. E os humanos, em seus medíocres intentos, ainda pensavam dominar as forças sombrias.

Lucius tinha um plano ambicioso. Queria concretizar a criação de um ser, metade homem, metade sombrio. Ele seria ao mesmo tempo, uma entidade cheia de poderes e um humano-fonte de energia. Sugaria a essência humana em sua plenitude e levaria ao seu mundo os fluídos corpóreos tão desejados naquela dimensão. Um experimento que desafiaria a tola ciência terrestre e também as leis do universo.

O lord estava acostumado a se relacionar com espíritos de mulheres que se desdobravam em sonho para ter com ele, momentos de prazer extra-sensorial. Ele tinha o poder de plasmar a figura que melhor lhe conviesse, tornando-se atraente para as suas vítimas. Algumas delas iam por sua própria vontade, outras, inconscientes, eram atraídas como mariposas à luz, sem perceber que estavam tendo sua energia vital drenada pelo vampiresco ser.

A mãe de Brian era uma mulher dotada de certos dons que permitiam a ela, fazer fabulosas viagens astrais. Quando se deitava para dormir, ansiava por conhecer outras dimensões. Foi em um desses passeios, andando na planície esverdeada de um campo, que ela avistou pela primeira vez aquele que seria o seu amado e a sua perdição, a pior desilusão, o sonho que acabaria com a felicidade de seus dias.

Sentado sobre um manto ricamente adornado no alto da colina, Lucius sustentava a postura de um Rei. Mantinha o olhar perdido no horizonte, onde se via a silhueta de uma vila coroada por nuvens de chumbo. Relâmpagos que vez ou outra, iluminavam tudo ao redor, mas ali onde estavam, acima de suas cabeças todas as constelações queriam brilhar. O homem bebia numa taça de ouro o prazer sensual de um bom vinho.

Cassiana, ao longe, observava aquele homem que era a materialização de todos os seus mais secretos desejos. Livre, seu espírito não necessitava das amarras sociais que a impediriam de se aproximar dele. Ao pensar nisso, instantaneamente, já estava lá, partilhando com ele a taça de ouro e trocando olhares que diziam tudo sem precisar abrir a boca. Foi ali, tendo a lua crescente como testemunha, que seu coração se acorrentou ao ser que traria a luz e as trevas para o resto de sua existência.

No manto negro da noite salpicada de estrelas de prata, seus corpos se uniram em perfeita conjunção astral. As mãos de Cassiana deslizavam pelas costas de seu amante desconhecido, sentindo o estranho calor de seu corpo. Segurando os longos cabelos negros entre os dedos, Lucius beijava sua boca demoradamente, saboreando a energia imaculada da mulher, que tremia de desejo. Ele tocava seus seios vestidos de luar, como quem venera a perfeição. Ao inspirar o ar fresco daquela noite mágica, ela se transformou em Deusa cortejando seu consorte. Sabia que guardava em si o poder, algo que ele desejava e que ela estava disposta a entregar.

Foi assim, sem pressa, da mais cuidadosa e gentil maneira, que o ardiloso ser das trevas possuiu a alma de Cassiana. Mas naquela noite, entregue ao torpor dos desejos saciados, ela deixou-se adormecer nos braços de seu algoz com a paz que experimenta uma mulher plenamente satisfeita.

O dia amanheceu como se aquela noite não tivesse acontecido. Cassiana acordou em sua cama, sentindo a cabeça girar. Levantou-se e uma vertigem a obrigou a se sentar novamente. Estava cansada; tinha a impressão de que fechou os olhos nos braços de Lucius e acordou em seu quarto no mesmo instante. “Devo estar ficando louca. Nunca tinha vivido uma experiência como esta!” Do alto de sua torre na Esfera das Sombras, Lucius sorria vitoriosamente. A semente estava lançada no coração de Cassiana. Agora, só faltava plantá-la em seu ventre.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Um encontro inesperado (capítulo 7)

Num lugar muito distante do presente mundo de Valentine, onde o céu era de um azul esverdeado e cheio de limbo, onde o chão escurecido dava a impressão de areia movediça e um forte nevoeiro cobria tudo como um espesso véu, Brian tentava se concentrar nas batidas do coração de sua amada.

Deitado no chão podia sentir suas forças desaparecendo juntamente com o som que tantas vezes o levou de encontro à garota que precisava proteger. Estava com a boca seca e a visão turva, sentia-se desaparecendo, detestava aquele lugar, mas agora sabia que estava mais perto de ter que viver ali para sempre. Fechou os olhos, não podia se desconcentrar, precisava ficar atento, mas estava difícil manter-se focado em algo, sentiu um peso sobre o peito e depois uma sensação de sufoco, perdeu a consciência e caiu num sono profundo.


Brian tinha acabado de abrir os olhos e notou que o ambiente estava todo mergulhado numa luz dourada cintilante que cresceu e depois se apagou. Focalizou melhor a silhueta à sua frente, a imagem foi ficando mais nítida e então a surpresa o fez quase cair da cama em que estava.
- Ma... mas o que é isso??- afastou-se meio cambaleante e ficou encostado na parede olhando para a velha senhora que sorria alegre para ele.

- Que modos são esses rapaz? Até parece que viu um fantasma.- a velha deu de ombros e foi em direção à cozinha enquanto cantava algo que Brian não entendeu.
Brian se levantou, ainda zonzo, haviam passado cinco semanas desde que perdeu os sentidos. Ele caminhou lentamente até a cozinha, apoiou-se na porta e ficou a observar aquela senhora tão alegre que dançava enquanto cozinhava algo.

A senhora virou-se abruptamente encarando o rapaz.
- E então meu querido, passou o susto?- olhava para ele com ternura.
-Eu não entendo...- Brian tinha impressão de que tudo aquilo era um sonho.
- Sim, você tem razão em achar que é um sonho. Se parece, é porque é. – agora ela o arrastava pelas mãos levando-o até a varanda da casa.

Brian ficou ainda mais assustado. Como ela conseguia saber o que ele pensava?
- Elementar meu caro ou devo dizer Elemental? Disse a velha, soltando uma gargalhada.
O rapaz se sentia meio tolo, não gostava de ser feito de bobo.
- Como pode estar aqui se você morreu?
- Ora, ora, eu lhe pareço morta por acaso?
- Não, mas...
-Pois então? Como pode me fazer uma pergunta boba dessas? Ainda mais você Brian!?
- É que eu não esperava te encontrar, não ainda.
- Deixe de conversa, você sempre soube que eu era a guardiã de Valentine.
-Sim, mas achei que vocês, “guardiões” não podiam aparecer para qualquer um.

Neste ponto a velha desatou a rir, chegou a soluçar de tanto que riu. Brian fez cara de bravo e emburrou.
- Me perdoe criança, mas é que você ainda vai me matar de rir com esta sua mania de se achar “qualquer um”.
Brian deu de ombros e sentou-se na cadeira que estava na varanda, olhou a paisagem e viu que cada detalhe era mais nítido do que estava acostumado, o céu tinha uma cor azul que descia num degradê rosa sempre mudando de posição, a energia do local era muito intensa e se oferecia a ele de uma forma quase que submissa, ele não precisava tomá-la para si.
- Onde estamos?- perguntou ainda maravilhado com tudo o que sentia naquele lugar.
- Aqui é o meu mundo.- respondeu enquanto se acomodava ao lado dele.
-Porque me trouxe aqui?- uma grande tristeza o invadiu ao pensar em Valentine, sentia que estava muito longe dela, não ouvia seu coração bater e nem sentia suas vibrações aconchegantes.
- Não se preocupe, eu apenas bloqueei teus sentidos, você não está tão longe assim de Valentine.

Brian olhou para ela e ficou esperando detalhes. A velha recostou-se na cadeira e depois de um longo suspiro falou:
- Brian, vocês estão chegando ao fim de um ciclo, precisei interferir porque seu pai se meteu entre vocês dois e está atrasando o fechamento desta busca. Não posso permitir que mais uma vez ele defina o rumo das coisas, não desta vez... Também não tenho muito tempo por aqui como guardiã de Valentine. Logo terei de partir para outros lugares, tudo o que eu podia fazer eu tenho feito, até mesmo encarnar como avó dela eu encarnei, mas agora não temos muito tempo e eu não posso interferir nas escolhas, posso apenas mostrar-lhe o caminho, mas somente ela poderá decidir como e quando seguir.

Brian levantou-se, sentia-se renovado, a energia que recebia daquele local o havia refeito. Olhou para o horizonte, uma nuvem solitária seguia lentamente pelo céu multicor, agora os raios de um sol em despedida pintavam tons alaranjados sobre a tela rosa e azul que era aquele céu. Suspirou resignado, não sabia o que fazer.

-Hoje estive com ela, sem que soubesse, dei-lhe uma visão importante, confio na capacidade de Valentine e tenho certeza de que ela irá desvendar todos esses segredos e em breve você estará livre meu garoto. A velha abraçou Brian e beijou-lhe a face. Uma luz dourada iluminou todo o ambiente e o envolveu, ele fechou os olhos e quando abriu já estava sobre o telhado da velha fábrica.

A lua estava linda no céu negro daquela noite tão estrelada, respirou o ar puro e fresco, sentiu seu corpo todo arrepiar-se ao receber a energia que Valentine lhe enviava sempre que pensava nele, sorriu satisfeito quando começou a ouvir seu coração pulsante, e colocou-se a correr sob o telhado transformando-se num corvo e seguindo aquele som maravilhoso, o som da vida, o som que vinha de seu amor eterno!

Em casa, Valentine revirava as gavetas, nervosa já havia feito a maior bagunça por todos os cômodos e não tinha encontrado nada. Sentou-se no chão com a cabeça entre as mãos, estava furiosa por não ter guardado num lugar mais fácil de encontrar, já ia desistir quando uma imagem apareceu em sua mente. “O baú da vovó!”
Correu pelo corredor e num único puxão fez com que as escadas do sótão descessem. Subiu às pressas, lá em cima acendeu a luz fraca e avistou o baú empoeirado perto da janela, correu até ele com o coração aos pulos, abriu e no fundo dele encontrou o recorte amassado, aproximou-o e verificou que era a mesma construção, olhou para o homem da foto, a respiração pareceu falhar.
- Não pode ser...
Aproximou o recorte da luz e ao olhar melhor para o homem sentiu suas pernas tremerem, uma sensação de angústia a fez deixar cair o recorte e levando a mão ao rosto sussurrou:
- O homem da capa preta...aquele horrível homem...

Mais descobertas (capítulo 6)

Sete dias depois de ter dado entrada no hospital, nenhum familiar tinha procurado Valentine. As enfermeiras se perguntavam quem poderia ser aquela moça tão bela e misteriosa. Desde que chegou, dormia um sono profundo, sem se dar conta dos ferimentos em sua pele. O traumatismo e o inchaço na cabeça regrediam a cada dia, mas ela não acordava.

Foi então que apareceu uma mulher à sua procura. Ela disse que se chamava Triskelle e que era tia de Valentine. Dona de um olhar altivo e hipnotizante, Triskelle era capaz de convencer qualquer pessoa daquilo que dizia, portanto, em poucos minutos, ela já estava dentro do quarto, a sós com a jovem bruxa. Ao chegar à beira da cama, olhou com ternura para a garota. Tocou e leve a sua face, balbuciando palavras inaudíveis. De repente, uma luz flamejante tomou o seu olhar. Triskelle pegou na mão de Valentine e num tom imperativo, disse:

- Rowenah, ordeno que volte! Ainda não é hora de partir!

Lá no fundo de sua consciência, Valentine ouviu alguém pronunciar seu nome mágico. A voz parecia distante, muito além de seu alcance. Queria responder, mas a fala não saia de sua boca. Depois de ficar ali por alguns minutos, Triskelle tocou a testa da bruxa e traçou com o dedo um pentagrama entre as sobrancelhas. Saiu do quarto, deixando pelos corredores o rastro de fogo dos seus cabelos e da sua presença marcante, quase sobrenatural. No dia seguinte, Valentine despertou, procurando entender onde estava. Tentou se mover, mas então, deparou-se com a dor. Ergueu lentamente a mão e tocou a cabeça ainda enfaixada. Nesse momento, lembrou-se do acidente.

- “Valentine, você acordou!” Uma enfermeira adentrou o quarto para ministrar-lhe os medicamentos e espantou-se com a novidade.

- Há quanto tempo estou aqui?

- Ontem completou uma semana. Sua tia veio visitá-la.

Mesmo estranhando a afirmação da enfermeira. Guardou para si a indagação. “Quem poderia ter-se feito passar por minha tia?!” de repente, veia à tona em sua memória o chamado que ouvira na noite anterior. “Ninguém conhecia seu nome mágico, senão... Triskelle!! Não pode ser!”A face da moça empalideceu subitamente. Percebendo a perturbação da menina, a enfermeira tratou de deixá-la à vontade.

- “Descanse um pouco. Em breve um médico virá vê-la. Estou feliz por você ter acordado. Meu nome é Irene. Se precisar de algo, é só apertar esta campainha.” Sorriu gentilmente e saiu, levando consigo a bandeja de medicamentos.

Valentine estava agora a sós com seus pensamentos. Fragmentos de lembranças iam e vinham, trazendo um sentimento de desespero. O ritual, a visão, o acidente e Brian; sempre Brian... a moça fechou os olhos e, em flashes, viu-se desacordada no carro, um pássaro negro pousado na árvore e Brian ajoelhado ao seu lado. Lembrou da descarga elétrica que sentiu quando ele tocou sua mão.

“Terá sido um sonho?!” Apesar de tantas visões e encontros, os dois nunca haviam se tocado realmente. Sentiu Brian limpar carinhosamente o sangue que escorria de sua testa e leva-lo à boca, como quem quisesse sorver toda a sua dor. Sem perceber, Valentine deixou as lágrimas caírem dos olhos e soube. Tinha acontecido de verdade.

Passaram-se duas semanas, Valentine havia voltado à sua vida normal após o acidente, sempre pensando em Brian. Tinha a impressão de que talvez ele tivesse ido embora da cidade, mas não o culpava por isso, se pudesse faria o mesmo. Ela tinha dúvidas a respeito de todo o ocorrido na noite do ritual, algumas vezes chegou a pensar que fossem coisas de sua imaginação, e as vezes achava que talvez sua avó tivesse colocado algum tipo de encanto no espelho para que ao usá-lo visse tudo o que viu.

O fato era que, desde aquela noite ela não parava de ter sonhos estranhos, sempre com sua avó ou Brian, em alguns deles o horrível homem de capa preta aparecia sorrindo com uma expressão demoníaca, a música que tantas vezes cantou em sua infância não saía de sua cabeça, como se quisesse lhe mostrar algo, como se fosse algum tipo de mensagem subliminar. À noite Valentine se sentava na varanda de sua casa e passava horas registrando e relendo tudo o que havia sonhado, algumas coincidências que haviam ocorrido durante o dia e também várias intuições que lhe vinham à mente.

Numa noite clara e fresca, Valentine resolveu dar uma volta pelo bairro, pensativa e absorvida por seus pensamentos não percebeu que caminhava em direção a uma parte afastada de seu bairro, um local imenso com algumas arvores salpicadas e uma enorme construção abandonada, parou surpresa quando notou o quanto havia caminhado sem se dar conta. sussurrou para si enquanto ria encabulada, já ia dando meia volta quando algo lhe chamou a atenção, a lua iluminava em cheio uma imensa árvore ao lado da construção, ela parecia ter mais de cem anos, suas enormes raízes chegavam a ser macabras de tão grossas e entrelaçadas.

Valentine sentiu uma leve tontura e teve que ajoelhar-se no chão para não cair, abriu os olhos e sentiu um gosto estranho na boca, uma mistura de cedro com âmbar, olhou para o chão e viu que uma estradinha com pequenas pedrinhas iam até o pé da árvore, com o coração acelerado Valentine olhava paralisada para a árvore enquanto a velha canção voltava à seus ouvidos.
“...Se essa rua, se essa rua fosse minha...”

A paisagem começou a mudar diante de seus olhos e então viu-se no mesmo local daquele estranho sonho. Haviam muitas árvores, a construção tinha desaparecido e bem ao fundo a enorme árvore reluzia uma luz sobrenatural. Ao lembrar-se dos olhos azuis sentiu a vista escurecer e então toda a paisagem se desfez tão rápido quando havia surgido, mas então, lembrou-se de quando Brian a procurou na biblioteca com o recorte de jornal, não havia dado muita importância naquele momento, mas agora podia ver nitidamente, quando ele havia apontado para a pessoa que queria encontrar, viu atrás dessa pessoa a “Construção” que agora estava diante dela.

As coisas pareciam começar a fazer sentido e sabia que só precisava juntar as peças deste enorme quebra-cabeças. Levantou-se e correu para casa, tinha guardado o recorte como uma lembrança daquela mágica tarde em que seu sonho se tornou real, só precisava se lembrar onde. Assim que Valentine se afastou um brilho dourado cintilante manifestou-se no alto da imensa árvore e sumiu no ar.