sexta-feira, 9 de abril de 2010

A garganta do Diabo (capítulo 1)

Na beira do penhasco Brian deixava o vento tocar seu rosto, gostava daquele lugar mais do que tudo. Sentia-se bem, sentia-se vivo... Alto, olhos azuis e longos cabelos da cor do sol, Brian era um rapaz que aparentava ter 25 anos, mas tinha bem mais do que isso, já nem se lembrava a quanto tempo estava naquele vilarejo.

As memórias estavam cada vez mais apagadas, sabia que isso aconteceria com o tempo, Lucius já o tinha informado que seria assim, mas não queria mais viver daquela forma, não aguentava mais ter que se esconder de seus caçadores. Brian não era um vampiro como os de contos góticos, ele drenava energias, de tudo ao seu redor, foi dificil aprender a controlar isso, quantas pessoas morreram...vales inteiros secaram...e agora que ele havia dominado seu poder já não queria sequer viver.

Fechou os olhos enquanto sentia o ar quente que acariciava seu rosto, queria abraçar aquela energia intensa que vinha do sol ao entardecer. Ao longe uma garota o observava curiosa.
Começou a se aproximar bem devagar para que o rapaz não percebesse sua presença. Mesmo sem nunca ter visto aquele rapaz, algo em seu íntimo dizia que estava diante de uma bela encrenca. E isso a deixava muito mais instigada.

Além disso, Valentine já tinha desistido de confiar em sua intuição. Fazia de tudo para não ouvi-la e a desafiava sempre que possível. Agora, ela tinha em sua frente, um ótimo motivo. “Ele é lindooo!” pensou, aproximando-se mais um pouco. “Por um homem desses, seria capaz de jogar tudo pro alto!”

Com a ousadia que era sua marca registrada entre as amigas e um sorriso malicioso nos lábios, tocou de leve as costas do rapaz. Subitamente, Brian sentiu um gelo percorrer-lhe a espinha e virou-se num impulso quase violento. Foi então que viu seu olhar transtornado, refletido nos olhos de Valentine. Seus corpos muito próximos, quase a se tocar, chegou a sentir o hálito quente e ofegante dela. Naquele momento, quase se esqueceu de quem era.

Quebrando o silêncio, ela perguntou: “Incomodo?” Brian não tinha saída, estava entre o precipício e a tentação de um desejo que acabara de despertar dentro de si. “Afaste-se!” gritou, numa ordem que mais parecia uma súplica. “Não vê que quero ficar só?!” por um momento, pensou que o melhor seria se jogar no abismo e acabar com tudo de uma vez. Não queria correr o risco de novo. Estava cansado.

Valentine não tinha ido embora. Ele sentia que ela o observava. A grande fenda conhecida como Garganta do Diabo estava a dois passos de distância dele. Vagarosamente, como quem não quisesse fazer barulho algum, Brian avançou mais um passo. A terra seca e arenosa do deserto se moveu sob seus pés e fez rolar um pedregulho. O silêncio fora quebrado. A pequena pedra desceu batendo nas paredes do abismo e ecoando até não mais se ouvir.

“Então é isso.” – pensou Brian dando uma inspirada profunda. “Este é o fim.” Sentenciou em segredo, sua voz interior. Ainda parada a poucos metros dele, Valentine o fitava. Não ousava mover um centímetro sequer. Respirava, pausadamente, segurando para não ofegar. Brian deu um impulso e se lançou, sem avisar.

Queria sentir o vento correr pela face, nem que fosse pela última vez. Com muita sorte, as formações rochosas e contundentes - os dentes afiados do próprio Diabo – dilacerariam seu corpo e então, não restaria chance de sobrevivência. Estaria livre, enfim, da maldição.
Ao perceber o que o rapaz acabara de fazer, Valentine arregalou os olhos. Seu grito ecoou por todo o deserto. – “Nãaaaaaao!!! Mais algumas pedras rolaram para dentro do fosso. Viu um gavião alçando vôo, batendo asas ruidosamente. Depois, novamente o silêncio. Valentine estava debruçada à beira do penhasco. Nem sinal de Brian. Lá dentro da Garganta, apenas o silêncio e o bafo quente do deserto. O pôr do sol alaranjava tudo e dava ainda mais impressão de que a terra estava mergulhada em brasas.
Num sobressalto, enxarcada de suor, Valentine despertou do sono agitado. Estava em sua cama e o sol alto batia em cheio no seu rosto. – “Caramba! Perdi a hora de novo! Desta vez, meu chefe arranca meu fígado!” Saltou da cama ainda zonza. Enquanto escovava os dentes, apressada, olhou-se no espelho. Subitamente, uma imagem do sonho emergiu da memória. Viu novamente os olhos de Brian dentro dos seus. “Parecia tão real!”, pensou, artodoada. “O que poderia significar?” Piscou os olhos como quem voltava de um transe, querendo afastar aquele pensamento.



Havia algum tempo que decidira não mais praticar a magia. Queria evitar as visões. Ou melhor, as PREvisões....

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