quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A armadilha (capítulo 9)

Meses se passaram e, noite após noite, Cassiana vagava por seus sonhos, à procura de seu amante onírico. Passou a ter visões desconexas, um mundo sombrio que aparecia ao longe e depois dissipava em denso nevoeiro. Acordava sufocando de saudades e ardendo em desejo. Seus olhos já não tinham o mesmo brilho, parecia não gostar tanto da vida como antes. Queria apenas partir e ficar ao lado daquele que se apossou de sua alma.

Ângelo, noivo de Cassiana, percebeu que algo afligia o coração de sua amada. Pensava que eram os longos períodos de solidão em meio à floresta. Preparou então uma surpresa para ela.

- Vamos, quero te mostrar um lugar!
- Desculpe, querido, não me sinto disposta. Tenho um cansaço que me consome. Quero apenas ficar aqui e adormecer.
- Tenho certeza de que você vai gostar. Vamos cavalgar um pouco, como fazíamos antes. Prometo que você não vai se cansar, meu amor!

Quase que por uma obrigação, Cassiana levantou-se para atender ao pedido do noivo. Apesar de tudo, ele era um homem por quem ela tinha grande afeição. Não queria magoá-lo e sabia que não era justa a forma como vinha o tratando ultimamente. O trote do cavalo aos poucos, foi acalmando seu coração. As paisagens passando lentamente por seus olhos, o vento acariciando os cabelos soltos... tudo isso a fez lembrar do tempo em que era simplesmente feliz, sem a ânsia de reencontrar aquele que nem era do seu mundo e que talvez nem existisse realmente. “Foi apenas um sonho...” tentava se conformar. Ângelo, vez ou outra, fazia algum comentário ou pergunta, tentando desvendar o que ia ao íntimo de sua amada e tinha como resposta, vagas palavras. De repente, o caminho se estreitou entre pedras enormes que escondiam o que havia do outro lado.

- Vamos ter que seguir a pé. É só um pequeno trecho”, disse Ângelo. Cassiana se perguntava como não conhecia ainda aquele lugar. O céu estava incrivelmente azul e o clima ameno tornava o passeio ainda mais agradável. A cada passo, um novo cenário era pintado diante de seus olhos. Borboletas azuis e amarelas rodeavam pequenas flores silvestres. As raízes das árvores, tortuosas e gigantescas, eram algo que impressionava seus olhos. Aos poucos, um ruído de água começou a ser ouvido. À medida que caminhavam, o barulho aumentava. As folhas sob os pés foram ficando mais úmidas e escuras, exalando um delicioso cheiro de terra molhada.

Ao passar pelo último paredão de pedras, Cassiana não pôde conter a expressão de surpresa quando se deparou com a Cachoeira do Espelho. Um imenso véu branco desaguava no lago de fundo negro que refletia a imagem da mata ao seu redor e o profundo azul celeste. Ângelo sorria, convidando-a para um refrescante mergulho. Sob o encantamento daquele lugar mágico, Cassiana se deixou levar pela mão, molhando os pés na água translúcida. Um leve arrepio percorreu-lhe a espinha, trazendo novamente a sensação de estar viva.

Aos poucos, soltou seu corpo na água e ficou a boiar, olhando para o céu. Chegou a sorrir, deixando as águas levarem seus pensamentos para longe. Foi então que viu um grande pássaro preto cruzar o céu e pousar numa árvore à beira do lago. Uma estranha sensação apertou-lhe o peito e ele se levantou, procurando com os olhos, seu noivo.

- “Estou aqui, meu bem!” Cassiana virou-se bruscamente na direção da voz. Quando seus olhos encontraram os de Ângelo, a moça percebeu neles um brilho diferente, mas familiar. Sem ter tempo de esboçar reação, o homem tomou-lhe nos braços e beijou-a com intensa paixão. Ela reconheceu aquele beijo e lembrou-se na hora do sonho que tivera meses atrás. Afastou-se e tentou dizer algo, mas tocando seus lábios suavemente, o rapaz a impediu de pronunciar seu nome, sob o risco de acordar Ângelo de seu encantamento.

O sonho e a realidade se misturavam em um êxtase atordoante. Cassiana estava confusa, mas não conseguia resistir às carícias e à força daquela atração. Ângelo não tinha a mesma feição, parecia estar fora de si. Ela sentiu uma leve tontura, fechou os olhos por um momento, enquanto o homem a segurava nos braços. Ao abrir os olhos novamente, notou que toda a paisagem estava modificada, as cores eram mais nítidas do que antes, a água agora parecia fazer parte de seu próprio corpo, o céu tinha um tom azul fora do comum, não era noite e nem era dia. Ainda assim, podia ver uma imensa lua no céu que parecia enviar-lhe algum tipo de energia.

Sentiu todo o seu corpo esquentar e um desejo incontrolável apoderar-se de si. Cassiana estava radiante, seus olhos de bruxa faíscavam de prazer, segurou delicadamente o rosto de seu amado e o beijou profundamente. Suas mãos percorriam o corpo dele e lentamente tiravam-lhe a camisa, as unhas percorriam seu peito, nu provocando-lhe arrepios. Cassiana afastou-se um pouco e olhando diretamente para os olhos dele, despiu-se. Suas formas perfeitas o hipnotizavam, ele a desejava, e isso causou-lhe um certo temor, sentia que precisava dela mais do que podia querer.

A bruxa se aproximou, segurou em suas mãos e o levou até a margem do lago, despiu-o e o fez deitar-se no chão de terra úmida, as plantas ao redor exalavam um delicioso aroma verde, ela sentou-se sobre seu corpo e com as mãos levantadas em direção à lua fechou os olhos pedindo algo. Seu corpo estava quente como o fogo, as mãos de seu amante percorriam cada centímetro daquele templo do prazer. Cassiana abaixou os braços e tocou de leve o rosto do homem que se deixava dominar pela Deusa, inebriado pela paixão.

Seus corpos nus estavam em êxtase profundo, o ciclo quase completo e então a sensação de plenitude dominou seus corpos. Ela movimentava-se como uma Valkíria, cavalgando pelas nuvens. As mãos dele acariciavam seus seios provocando-lhe arrepios e gemidos que ecoavam pelo bosque. Estavam num transe quase absoluto, e num momento de puro prazer, chegaram ao climax juntos.

Cassiana deitou-se no peito dele, exaurida pela intensidade daquele amor. De olhos fechados, teve uma estranha impressão. Parecia que podia ouvir dois corações. Um vivo e pulsante, outro frio e impiedoso. De qualquer forma, um coração que nunca seria seu. Então, um abismo se abriu sob seu corpo e ela sentiu que caia, vertiginosamente. Abriu os olhos e a paisagem voltou a ser o que era. O homem a olhou nos olhos e, com a arrogância que era própria de Lucius disse:

- Já consegui o que queria, minha querida Cassiana. De agora em diante, apenas observarei, e quando eu voltar será para buscar a semente que agora germina em teu ventre.

Com um sorriso diabólico nos lábios, deixou o corpo de Ângelo que caiu no chão desmaiado. Cassiana sentou-se ao lado do noivo e arrependida de ter se deixado seduzir, chorou. Não havia mais volta, ela estava amaldiçoada para sempre, e agora uma criança pagaria por tudo isso.

Depois de algum tempo, Ângelo acordou às margens do rio. Cassiana estava um pouco distante dele. Ainda trôpego de sono, aproximou-se dela e abraçou-a por trás.

- Desculpe, querida, não sei o que houve comigo. Adormeci sem perceber. Acho que o passeio me cansou um pouco.

Ao perceber que o noivo não se lembrava de nada do que ocorreu, Cassiana disfarçou as lágrimas, enxugando-as com as mãos e tentou sorrir.

- Não se preocupe, estou bem. Gostaria apenas de ir para a casa agora.

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