Foi então que apareceu uma mulher à sua procura. Ela disse que se chamava Triskelle e que era tia de Valentine. Dona de um olhar altivo e hipnotizante, Triskelle era capaz de convencer qualquer pessoa daquilo que dizia, portanto, em poucos minutos, ela já estava dentro do quarto, a sós com a jovem bruxa. Ao chegar à beira da cama, olhou com ternura para a garota. Tocou e leve a sua face, balbuciando palavras inaudíveis. De repente, uma luz flamejante tomou o seu olhar. Triskelle pegou na mão de Valentine e num tom imperativo, disse:
- Rowenah, ordeno que volte! Ainda não é hora de partir!
Lá no fundo de sua consciência, Valentine ouviu alguém pronunciar seu nome mágico. A voz parecia distante, muito além de seu alcance. Queria responder, mas a fala não saia de sua boca. Depois de ficar ali por alguns minutos, Triskelle tocou a testa da bruxa e traçou com o dedo um pentagrama entre as sobrancelhas. Saiu do quarto, deixando pelos corredores o rastro de fogo dos seus cabelos e da sua presença marcante, quase sobrenatural. No dia seguinte, Valentine despertou, procurando entender onde estava. Tentou se mover, mas então, deparou-se com a dor. Ergueu lentamente a mão e tocou a cabeça ainda enfaixada. Nesse momento, lembrou-se do acidente.
- “Valentine, você acordou!” Uma enfermeira adentrou o quarto para ministrar-lhe os medicamentos e espantou-se com a novidade.
- Há quanto tempo estou aqui?
- Ontem completou uma semana. Sua tia veio visitá-la.
Mesmo estranhando a afirmação da enfermeira. Guardou para si a indagação. “Quem poderia ter-se feito passar por minha tia?!” de repente, veia à tona em sua memória o chamado que ouvira na noite anterior. “Ninguém conhecia seu nome mágico, senão... Triskelle!! Não pode ser!”A face da moça empalideceu subitamente. Percebendo a perturbação da menina, a enfermeira tratou de deixá-la à vontade.
- “Descanse um pouco. Em breve um médico virá vê-la. Estou feliz por você ter acordado. Meu nome é Irene. Se precisar de algo, é só apertar esta campainha.” Sorriu gentilmente e saiu, levando consigo a bandeja de medicamentos.
Valentine estava agora a sós com seus pensamentos. Fragmentos de lembranças iam e vinham, trazendo um sentimento de desespero. O ritual, a visão, o acidente e Brian; sempre Brian... a moça fechou os olhos e, em flashes, viu-se desacordada no carro, um pássaro negro pousado na árvore e Brian ajoelhado ao seu lado. Lembrou da descarga elétrica que sentiu quando ele tocou sua mão.
“Terá sido um sonho?!” Apesar de tantas visões e encontros, os dois nunca haviam se tocado realmente. Sentiu Brian limpar carinhosamente o sangue que escorria de sua testa e leva-lo à boca, como quem quisesse sorver toda a sua dor. Sem perceber, Valentine deixou as lágrimas caírem dos olhos e soube. Tinha acontecido de verdade.
Passaram-se duas semanas, Valentine havia voltado à sua vida normal após o acidente, sempre pensando em Brian. Tinha a impressão de que talvez ele tivesse ido embora da cidade, mas não o culpava por isso, se pudesse faria o mesmo. Ela tinha dúvidas a respeito de todo o ocorrido na noite do ritual, algumas vezes chegou a pensar que fossem coisas de sua imaginação, e as vezes achava que talvez sua avó tivesse colocado algum tipo de encanto no espelho para que ao usá-lo visse tudo o que viu.
O fato era que, desde aquela noite ela não parava de ter sonhos estranhos, sempre com sua avó ou Brian, em alguns deles o horrível homem de capa preta aparecia sorrindo com uma expressão demoníaca, a música que tantas vezes cantou em sua infância não saía de sua cabeça, como se quisesse lhe mostrar algo, como se fosse algum tipo de mensagem subliminar. À noite Valentine se sentava na varanda de sua casa e passava horas registrando e relendo tudo o que havia sonhado, algumas coincidências que haviam ocorrido durante o dia e também várias intuições que lhe vinham à mente.
Numa noite clara e fresca, Valentine resolveu dar uma volta pelo bairro, pensativa e absorvida por seus pensamentos não percebeu que caminhava em direção a uma parte afastada de seu bairro, um local imenso com algumas arvores salpicadas e uma enorme construção abandonada, parou surpresa quando notou o quanto havia caminhado sem se dar conta.
Valentine sentiu uma leve tontura e teve que ajoelhar-se no chão para não cair, abriu os olhos e sentiu um gosto estranho na boca, uma mistura de cedro com âmbar, olhou para o chão e viu que uma estradinha com pequenas pedrinhas iam até o pé da árvore, com o coração acelerado Valentine olhava paralisada para a árvore enquanto a velha canção voltava à seus ouvidos.
“...Se essa rua, se essa rua fosse minha...”
A paisagem começou a mudar diante de seus olhos e então viu-se no mesmo local daquele estranho sonho. Haviam muitas árvores, a construção tinha desaparecido e bem ao fundo a enorme árvore reluzia uma luz sobrenatural. Ao lembrar-se dos olhos azuis sentiu a vista escurecer e então toda a paisagem se desfez tão rápido quando havia surgido, mas então, lembrou-se de quando Brian a procurou na biblioteca com o recorte de jornal, não havia dado muita importância naquele momento, mas agora podia ver nitidamente, quando ele havia apontado para a pessoa que queria encontrar, viu atrás dessa pessoa a “Construção” que agora estava diante dela.
As coisas pareciam começar a fazer sentido e sabia que só precisava juntar as peças deste enorme quebra-cabeças. Levantou-se e correu para casa, tinha guardado o recorte como uma lembrança daquela mágica tarde em que seu sonho se tornou real, só precisava se lembrar onde. Assim que Valentine se afastou um brilho dourado cintilante manifestou-se no alto da imensa árvore e sumiu no ar.
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